A 14ª edição do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro pegou a nata da indústria cinematográfica nacional pela mão e saiu do Theatro Municipal, onde foi realizado no ano passado, cruzou a Cinelândia e estacionou no recém-reinaugurado Cine Odeon, onde apresentou suas 26 categorias na noite de ontem (1º de setembro). Comandada porMarcelo Faria, Miguel Thiré e Paulo Tiefenthaler, a cerimônia teve como grande homenageado da noite Roberto Farias, um dos principais nomes do Cinema Novo, diretor de filmes como “O assalto ao trem pagador” (1962) e presidente da Academia Brasileira de Cinema, responsável pela premiação.
“Parece combinado, né?”, brincou o diretor responsável por passar um helicóptero por baixo do Túnel do Pasmado, em “Roberto Carlos em ritmo de aventura” (1968). “Quando me falaram da homenagem, eu disse que pareceria marmelada, mas não tive como dizer não”, emendou Roberto, que até hoje vê o cinema nacional “Sempre funcionando com muita força e gás”. No palco, o diretor recebeu a homenagem diretamente das mãos do irmão,Reginaldo Faria, e do sobrinho, Marcelo Faria. No palco, que teve cenografia assinada por Sérgio Marimba com direção artística de Ivan Sugahara e iluminação por Paulo César Medeiros, Marcelo interpretava seu tio (que tem um “s” a mais no sobrenome por um simples erro de cartório), enquanto Tiefenthaler vivia o vilão e Thiré o mocinho de uma história que atravessava e dialogava com grande parte da extensa filmografia do diretor.
E o grande nomeado da noite, com 14 indicações nas 26 categorias, foi “Getúlio” (João Jardim), que faturou três prêmios no total, incluindo o de Melhor Ator para Tony Ramos – que dividiu o troféu com Babu Santana, por “Tim Maia” (Mauro Lima), que falou com HT pouco antes de premiação começar. “Estou há 51 anos trabalhando nessa profissão, e confesso que sempre fico feliz em ser indicado para um prêmio, mas tenho o pé no chão”, comentou o intérprete de Getúlio Vargas na obra, acrescentando que “o cinema só resiste à crise financeira produzindo, nem que seja contra uma parede branca e nua”. Apesar de só aparecer no capítulo de quinta-feira, Tony interpreta um dos principais nomes de “A regra do jogo”, ma pele de Zé Maria, um personagem que ninguém sabe se é culpado ou inocente – nem o próprio ator. “A minha intenção é passar essa dúvida para o público, já estou feliz se conseguir transmitir isso. Mas o resto é com o João [Emanuel Carneiro, autor]. Só sei que ele é um homem em busca de justiça e que culpa ‘eles’ por ter sido preso”, disse.
O segundo filme a ter mais indicações – 12 no total – foi também o grande vencedor do 14º Grande Prêmio do Cinema Brasileiro. “O lobo atrás da porta”, de Fernando Coimbra, levou sete troféus, incluindo Melhor Diretor, Melhor Atriz (Leandra Leal), Melhor Atriz Coadjuvante (Thalita Carrrauta) e, o maior da noite, Melhor Longa-Metragem de Ficção. Leandra Leal, que viveu a protagonista Rosa na produção, comentou antes de a cerimônia começar: “A minha expectativa é de encontrar os amigos hoje à noite. Esse foi um filme lindo e fico muito feliz por ele e pelas pessoas que tive a oportunidade de conhecer durante esse processo. ‘O lobo’ é o tipo de longa-metragem que te põe para cima, onde cada um quer ajudar o outro”.
A atriz concorria na categoria com sua amiga e colega de elenco Fabíula Nascimento, que mesmo não tendo faturado o troféu individual, estava radiante após a cerimônia. “Mas claro que ganhei! O Tiago [Marques, diretor de arte] levou um prêmio pelo qual eu estou torcendo há anos, o filme todo se saiu muito bem… Eu ganhei a noite inteira!”, riu a atriz, que se prepara para lançar “S.O.S. Mulheres ao Mar 2” (Cris D’Amato) e “Operações Especiais”(Tomas Portella). Fabíula também não deixou de opinar sobre o atual panorama cinematográfico em meio à crise: “Vejo a indústria em uma fase ótima, com os filmes encontrando sua plateia e, a trancos e barrancos, vamos passar dessa época difícil”, disse. E como anda o papel da mulher no cinema nacional? “Nunca tive problema algum com isso. Quem faz cinema, teatro ou qualquer vertente ligada à arte não pode entrar nessa só porque quer ganhar dinheiro. Mas o que eu gostaria de ver mais são roteiros voltados para as mulheres – roteiros mais femininos, como esse incrível que a Anna Muylaert apresentou agora”, desabafa Fabíula, comentando sobre o sucesso de “Que horas ela volta?”, estrelado por Regina Casé.
O filme protagonizado por Casé parece ter impactado tanto quem já o assistiu que Jesuíta Barbosa, vencedor do prêmio de Melhor Ator Coadjuvante por “Praia do Futuro” (Karim Aïnouz), chegou a dedicar seu troféu “à aula de interpretação que teve com Regina no cinema”. “É sempre muito bom ganhar, né? Dá aquela acariciada de leve no ego”, brincou o artista, que no ano passado concorria na categoria de Melhor Ator, por “Tatuagem” (Hilton Lacerda) e Melhor Ator Coadjuvante, por “Serra Pelada” (Heitor Dhalia). Dessa vez, ganhar pelo filme estrelado por Wagner Moura e Clemens Schik tem um gosto especial, ainda mais depois da rejeição que ele sofreu por parte do público mais conservador. “A gente faz cinema para retratar uma época. Hoje, há muita caretice e preconceito rodando por aí, então acho que, no futuro, quando virem esse trabalho, as pessoas vão entender o que aconteceu. Mas, no fim das contas, acredito que foi tudo bem positivo, porque o acontecido serviu para projeto o ‘Praia’ e, ainda assim, ele cumpriu seu papel”, explicou Jesuíta, que se prepara para viver um romântico professor de música, “quase um revolucionário”, em “Ligações Perigosas”, próxima minissérie da Globo.
Jesuíta conseguiu a tarefa de vencer Cauã Reymond, que estava com indicação dupla na noite, concorrendo como Melhor Ator Coadjuvante por “Alemão” (José Eduardo Belmonte) e “Tim Maia”. “Eu sinto que o cinema fala com um nicho muito mais específico, porque quem escolhe o que assiste é o público”, comentou o ator, que recebeu muitos elogios durante a estreia de “A regra do jogo”, na qual vive o mocinho Juliano. Além do papel como ator, Cauã também exerce a função de produtor em projetos “Pedro”, filme sobre Dom Pedro I estrelado pelo próprio, e“Azuis”, adaptação do livro “Todos os cachorros são azuis”, de Rodrigo de Souza Leão. “Eu tenho essa vivência de participar do cinema por todos os lados, e vejo agora uma dificuldade bem grande de captação de verba. Mas é algo que está em todos os lugares, só precisamos torcer para passarmos disso o mais rápido possível”, contou o ator, que deve começar a filmar “Azuis” no ano que vem (“É até bom, porque sinto que preciso parecer um pouco mais velho para esse personagem”), sem falar nas filmagens de “A curva do rio sujo”, outro longa estrelado por ele.
Um dos vencedores da noite e queridinho do público jovem foi “Hoje eu quero voltar sozinho”, longa-metragem deDaniel Ribeiro que aborda a homossexualidade na adolescência e ganhou como Melhor Ficção pelo voto popular. “É muito legal ganhar esse troféu porque quis dar uma chance de os jovens poderem gays e adolescentes se identificarem com alguma história no cinema, algo que eu não tive nessa idade. O bom do cinema é que ele vai abrindo a cabeça das pessoas, não só sobre assuntos LGBT, mas a respeito de qualquer realidade que lhe seja diferente, algo que é importantíssimo em um país tão culturalmente vasto e extenso como o Brasil”, explicou o diretor.
Ao fim da cerimônia, os convidados puderam brindar no saguão de entrada do Cine Odeon, enquanto a chuva desabava pelo Rio de Janeiro, fazendo com que muitos dos presentes se cobrissem com paletós ou se escondessem atrás de amigos. A noite se encerrou com o clima de vitória geral, até para aqueles que não levaram troféu para casa. Afinal, o grande vencedor da noite foi e sempre será o cinema brasileiro, que a cada ano que passa mostra uma safra ainda maior de profissionais talentosos.