segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Reginaldo Faria ‘‘Foi um renascimento’’

14 de novembro de 2005 - ISTOÉ Gente

Um ano depois de passar 20 dias em coma, conseqüência de uma angioplastia malsucedida, o ator se diz vítima de erro médico, processa a clínica que o atendeu e fala de sua volta à tevê.

    América e está no ar na reprise de Força de um Desejo. De férias na tevê, capta recursos para dois longas que planeja dirigir: Festa dos Libertos e a comédia Arraial, me Ajuda!. E volta ao ar na nova versão de Sinhá Moça, em 2006. Em um tom sensível e apaixonado, conta que reconstruiu a vida amorosa, após o fim do terceiro casamento com a cantora Rosa Ventura, 35, em outubro de 2004. Ao lado da administradora gaúcha Vânia Dotto Alves, 49, com quem está casado há um mês, o ator reencontra o equilíbrio e o prazer do cotidiano.
     
    Reginaldo Faria não consegue enxergar outra metáfora, além de um renascimento, para explicar os últimos onze meses. No dia 29 de novembro, o ator sofreu uma parada cardíaca durante uma angioplastia – procedimento para desobstruir artérias do coração. Ficou 33 dias internado, dos quais 20 em coma. Hoje, enfrenta uma batalha judicial contra a Clínica São Vicente, no Rio, por acreditar ter sido vítima de um erro médico, que lhe rendeu traumas físicos e emocionais. A dolorosa recuperação do ator mobilizou a família. Reginaldo se mudou para a casa do filho, Marcelo Faria, onde recuperou a dicção perfeita, a agilidade dos movimentos das pernas e desenvolveu uma nova forma de encarar o cotidiano. Aos 68 anos, o ator acaba de participar de 

Em América você fez um caipira, um tipo diferente dos galãs de sua carreira. Isso reflete uma mudança? 
Se eu posso falar em metáfora, foi um renascimento. Cheguei muito perto da morte. Eu fui do lado de lá e voltei. As pessoas sempre têm uma visão de que certos atores televisivos têm que ter postura do 
galã, do homem poderoso. Compor o Adalberto com ternura, singeleza, foi uma ousadia em função da minha maturidade, não só profissional, mas de vida. Nunca tinha encontrado um personagem que pudesse dizer essas verdades puras. Consegui essa liberdade no texto da Glória Perez.

É um ator mais completo hoje? 
Depois de passar o que eu passei, estou mais aberto, tranqüilo e relaxado. Hoje vejo o quanto os outros estão sofrendo para chegar nesse ponto. Não digo que sou um ator maravilhoso, mas que sou maduro, eu sou. A vida é isso, você começa verde, amadurece e cai do pé depois de maduro. E acabou. Essa é a regra da natureza. Se eu não morri ali, vou morrer lá, mas pelo menos eu aprendi a não ser tão rigoroso e injusto comigo mesmo.

Seu novo casamento é fruto desse amadurecimento?
Eu não quero confundir carência com amor. Sei que não consigo viver sozinho, mas é preciso ser alguém muito especial para estar ao lado, senão teria me casado com outras pessoas com quem convivi. A Vânia não só me ajuda nessa solidão como me dá o amor que eu necessito. E eu retribuo. Estamos juntos desde maio, a gente se conheceu no Rio Grande do Sul, numa cidadezinha maravilhosa, chamada Santa Maria.

Qual a importância de tê-la a seu lado nesse momento? 
Eu me sinto mais vivo, mais equilibrado. É muito triste acordar e ter a solidão do quarto. É muito bom estar com alguém do seu lado. Não é só o beijinho, o sexo e a paixão. Tem o companheirismo, a parceria, saber levar a relação de forma adulta e inteligente. É preciso discutir tudo, todas as idéias e problemas. Esse é o discurso do amor. Somar na discussão de todas as coisas.

Como tem sido a experiência de morar novamente com seu filho?
Não perdemos a privacidade porque praticamente não dividimos muito o espaço. A casa é tão grande que eu quase não vejo o Marcelo. O problema seria se tivéssemos que ficar nos esbarrando.

Seu problema de saúde uniu mais a família? 
Hoje a gente tem mais zelo um pelo outro. Eu e meus filhos (o diretor Régis Faria e os atores Marcelo e Carlos André) estamos ligados mais intensamente. Não é que o amor tenha ampliado, mas hoje existe mais dedicação. Saio sempre com rádio e telefone celular, em qualquer lugar a gente está sempre se ligando.

Por que quis processar a clínica? 
Meu médico sugeriu que eu fizesse um cateterismo e mais nada. Já tinha passado por esse procedimento na época de Força de um Desejo. Fiz, saí andando e gravando novela. Dessa vez, fui ao hospital e eles começaram a querer fazer angioplastia (procedimento para desobstrução do vaso sangüíneo) e resolveram botar um stent (mola metálica que ajuda na circulação) sem me consultar. Porque, se falaram, eu estava inconsciente e não lembro de ter respondido.

O que aconteceu durante esse procedimento? 
O stent explodiu a coronária. Fiquei 55 minutos com parada cardíaca e um aparelho bombeando o coração. Chamaram o médico da família. Ele resolveu a parada e conseguiu me tirar dessa situação. Pelo erro cometido, eles disseram que eu entrei no hospital com fortes dores no peito. Eu fui para lá rindo, brincando com meus filhos Carlos André e Marcelo. (Foi colocado um outro stent, recoberto, para parar o sangramento da coronária. Foi feita também uma pequena cirurgia para drenar o sangue que havia derramado da coronária. O tórax foi aberto para fazer essa drenagem).

Já formalizou um pedido de indenização? 
Deixo o processo por conta dos advogados. Decidi ir à Justiça porque eles foram muito inconseqüentes. Não podem dispor da vida dessa forma. Prejudicaram não só a mim, mas a minha família e meus filhos. Todo mundo sofreu muito. É tempo, trabalho, gastos em hospitais. Hoje sou uma pessoa que precisa fazer permanentemente exercícios de revascularização do coração. Freqüento três vezes por semana uma academia, como se fosse de ginástica, mas com supervisão de uma equipe médica. Os exercícios, como bicicleta e esteira, são feitos com monitoramento de pressão e com medição da freqüência cardíaca.

Como está sua vida agora? 
É evidente que você muda, está sempre achando que alguma coisa vai acontecer, que vai morrer a qualquer momento. Quando saí do coma, não podia falar, andar, nem me comunicar. Quando me olhei no espelho estava com 64 quilos, parecia aqueles franguinhos abatidos pendurados no açougue. Pensava que não ia sair disso, fui lutando, lutando e consegui. Esse foi o prejuízo da irresponsabilidade dos médicos. 
O stent não serviu para nada, tive uma trombose, um entupimento. 
No Carnaval, no meu chalé, em Friburgo, fui subir três degraus e senti dor no peito. Pensei: “Eu vou morrer agora”. Consegui abrir a porta, entrei, passei um rádio para o Carlos André. Ele chegou, tomei remédio, deitei, melhorei. Depois, fiz novos exames e me submeti a um novo cateterismo.

Se lembra de alguma coisa durante o coma? 
Tive sonhos e escrevi todos eles. É muito estranho, como o Inferno de Dante (referindo-se à Divina Comédia, de Dante Alighieri). Eu era o Dante no sentido de buscar a vida. Queria sair daquele inferno. Sonhei 33 dias, 20 deles em coma e o resto acordando e dormindo. Em cada episódio, a tônica era viver, estava querendo sair de algum lugar, de uma prisão, uma escravização. Para mim, foi uma catarse escrever, limpou. Foi pesado.

Tornou-se mais religioso?
Sempre tive religiosidade, sempre fui muito místico, pratico meditação. Sempre fiz muita ioga e meditação. Estou sempre procurando leituras nesse sentido. Gosto muito do budismo, me dá equilíbrio. Procuro não ser engolfado pelo sistema. A gente precisa do capitalismo para viver, mas é selvagem e desumano. Pagamos os impostos mais absurdos do mundo, temos os políticos mais escrotos do mundo. Se a gente sofre isso tudo sem um anteparo filosófico e místico, a gente se arrebenta. Preciso buscar isso para que não entre em desespero.

Qual a sua visão de vida hoje? 
Hoje, sei brincar com as responsabilidades, ser irresponsável sem abrir mão dos compromissos. Se você é rigoroso demais consigo mesmo, não chega lá. Hoje, tenho amor por mim e nas coisas que faço. Valorizo cada gesto, como calçar uma meia, tomar café, um banho. Quando você se ama, aprende a amar o outro, mesmo que seja antipático, arrogante. Hoje, tenho prazer na própria vida, é um dom que não podemos desmerecer.

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